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Capítulo 7 - Os gêmeos da Grécia


NO DIA SEGUINTE, ACORDEI NOVAMENTE COM A CARA DA PRI EM CIMA DA MINHA.

- O que raios você está fazendo aqui?

Ela estava sorrindo como louca e seus olhos estavam arregalados, quase saltando pra fora, como ficam sempre que ela acorda. Parecia minha cachorrinha Pipoca quando brinca de pegar a bolinha.

- Vamos, o Bela Adormecida. O Pai ligou falando que, se você quiser faltar você pode, mas você que sabe.

Depois de ontem, eu precisava ir pra escola. Tinha algumas respostas pra dar para um certo alguém.

- Vou sim. Vou só tomar um banho e já desço.

- Tá bom. Eu vou comprar pão, e o André está fazendo o café.

Fiz uma careta e levantei. O André era péssimo fazendo café. Mas, melhor que nada. Fui pro banho e tomei uma boa ducha. Sai rápido, porque já estava em cima da hora. Fui pro quarto, me sequei e coloquei o uniforme do Juarez. Coloquei o celular no bolso, quando senti alguma coisa nele. Quando tiro a mão, arfei ao ver a pulseira e o colar com os pingentes que os... como era mesmo o nome... sentais. Não, isso é coisa do Rod. Senpais! Isso, Senpais. Os presentes deles estavam comigo. Mas se era só um sonho...

- Vamos Deb - gritou o André lá de baixo -, o café esta pronto!

Teria tempo pra pensar nisso depois. Quem vê uma mulher cobra morrendo nas mãos de uma cara de fogo pode superar uns presentes se materializarem dos sonhos. Peguei a mochila e desci.

A Pri já tinha voltado e o André estava acabando de passar o café. Sentamos e começamos a comer. No meio da correria, notei que o André estava meio bicudo.

- Que foi Gão? Porque você está com essa cara amarrada?

Ele me olhou feio, com o peito estufado. Lá vinha.

- Que horas que aquele moleque saiu daqui ontem?

- O moleque - disse a Pri, - é cinco anos mais velho que você, André. Para de bancar o crianção.

- É que eu e o pai achamos que...

Ele parou, por que eu e a Pri tivemos um ataque de riso. Sempre que o André tentava dar uma de irmão responsável, protetor e etc, era uma piada. Ele ficou tão bravo que nem esperou a gente. Saiu com a metade do pão que faltava na boca, pegou a mochila e foi embora pra escola.

Acabou que a “demonstração de macho alfa” do meu irmão quase fez a gente perder o ônibus, por que ficamos um bom tempo rindo. Quando vi a hora, faltava dois minutos pro busão passar. A Pri e eu saímos correndo,  quando chegamos na esquina o ônibus já estava vindo. Sorte que o motorista, Sr. Jeremias, é bonzinho e esperou a gente chegar.

Sentamos na frente, nos últimos dois lugares disponíveis. Levantei e olhei pra trás pra ver onde o Rod estava, e pra minha tristeza ele não estava em lugar nenhum. Meu bolso vibrou e peguei o celular pra ler a mensagem.

“Oi. Não se assuste se não me vir no ônibus. Vou chegar na segunda aula. Tenho uns amigos que podem ajudar na questão que conversamos, a primeira questão. A outra resolvemos nós dois, rs.

Estarei o período da manhã na biblioteca pesquisando algumas coisas, então, se puder dar uma mão com os professores...

Esperando ansioso nossa conversa.

Rod”

Agora sim eu estava mais tranquila. Mas o que será que ele quis dizer com “amigos que podem ajudar”? A não ser que ele tivesse algum amigo especialista em captura de monstros reptilianos, não sei como a pesquisa dele fosse realmente ajudar em alguma coisa.

Mas o importante é que ele estará na escola, e poderemos conversar. Quando o ônibus chegou, desci e fui direto com a Pri para a sala. Acho que ela estranhou o Rod não vir e eu não falar nada, porque antes de sentarmos ela perguntou.

- Ué... o Rod não vem hoje?

Olhei pros lados, pra ver se os fofoqueiros de plantão não estavam à escuta. Quando vi que a barra tava limpa, respondi pra ela.

- Ele me mandou uma mensagem. Ele tá na biblioteca, pesquisando sei lá o que pra uns amigos.

- Ah... mas ele vai perder todas as aulas.

Era verdade. Nem tinha me tocado nisso. Os professores iriam dar falta pra ele. Abri meu caderno e olhei meu horário, na última folha. Dei um sorriso de alívio.

- As três primeiras aulas são com o sr. Drumon.

A Pri abriu um sorriso também. O sr. Drumon era um professor baixinho, gordinho, cauvo e de nariz rechunchudo. Era moreno e tinha os olhos castanhos. Ele era professor de história, e só fazia chamada no primeiro dia do mês. Os alunos que estavam presentes, ficavam com presença o mês inteiro. Os que faltavam, só tinham que ir até ele depois e falar com ele, que ele colocava chamada.

Chegamos na escola e fomos para a sala. Resisti a tentação de dar uma olhadinha na biblioteca, mas o Rod disse que ia chegar na segunda aula. Além disso, eu devia confiar no que ele disse. Se fosse pra nos encontrarmos ele falaria na mensagem.

Ficamos de bobeira na aula até a entrada do Sr. Drumon.Quando ele entrou na sala, cumprimentou os alunos e pediu pra fechar as persianas e apagar a luz. Enquanto ele ligava o data show, recebi uma mensagem no celular. Quando li, vi que era da Pri.

“Ótima aula pra dar uma dormidinha... rs”

Sorri discretamente, olhei pra Pri e pisquei. Ela já se preparava pra dormir, assim como outros alunso da sala.

Acho que você deve estar um pouco confuso. Vou explicar sobre a aula do sr. Drumon, que era uma das minhas preferidas. O ambiente que ele proporciona para que os alunos possam dormir tranquilamente é simplesmente magnífico.

Ok, eu sei que agora você que é um aluno que ama História deve estar pensando: “como ela pode dormir em uma aula tão legal?”; mas sinto lhe informar que você faz parte da minoria. História não é legal.

Sei também que existem aqueles “defensores da moral e dos bons costumes”, que devem estar pensando: “isto não está certo... meu Deus, como alguém pode dormir na sala de aula... mesmo que a aula não seja tão interessante, devemos prestar atenção e anotar tudo!”; você que pensa assim, faz parte de um percentual mínimo nas salas de aula.

E claro, tem a maioria. As pessoas normais, que devem estar pensando: “cara, que inveja... ha! se eu pudesse dormir nas aulas chatas”; pra você meu amigo, existe solução. Basta indicar o sr. Drumon como professor de história na sua escola e, lógico, torcer pra ele ser contratado.

Vou ser sincera, eu até que gosto de história. Sei lá por que. Os mapas, as datas históricas, os movimentos revolucionários, as guerras, as construções de grandes cidades e construções. Tudo relacionado à história, seja do Brasil ou de outros países, eu gosto. Acho que por isso eu sou a melhor aluna da sala em história.

Em outras aulas, eu estaria ouvindo Building 429, Sweet Foot, Oficina G3, que ajudam bastante quando você quer se desligar e dormir na sala. Mas o sr. Drumon, pra completar, coloca música clássica de fundo, o que, somando com o ambiente e a voz grave e baixa dele no microfone, é a solução ideal para alunos como a Pri e eu, que gostamos de dar uma dormidinha pra repor as energias.


Acho que era mais ou menos umas 8:45hs quando acordamos com o barulho da porta. Uma vovó entrou dentro da sala e, pelo jeito que o sr. Drumon a comprimentou, tinha que ser a tal de Dulcinéia, a “nova - velha” diretora. Ela era a expressão ideal de uma vovó do mal. Usava um vestido branco com flores azuis e óculos pretos de aro de tartaruga. Se você chegasse perto, veria na cara enrugada olhos pretos e uma pequena pinta no canto direito do nariz (nojentamente) cabeludo.

Infelizmente era possível sentir de longe o poderoso “bafo de jacarandá” da velhinha. A cara dela era uma carranca só, como se nunca sorrisse na vida.

Atrás dela entraram um garoto e uma garota. Eles tinham que ser gêmeos, por que eram muito parecidos. Ambos eram loiros, com olhos azuis e mais ou menos um metro e setenta de altura, por volta dos quinze anos. O garoto tinha os cabelos lisos até a altura dos ombros. Estava com a calça do uniforme da escola, de tectel preto, e usava uma camiseta com uma harpa dourada no meio de chamas, também preta. Era uma camiseta dessas bandas de heavy metal, e o nome da banda era Harpas Flamejantes.

A menina também usava a calça do uniforme, mas sua camiseta era branca, com a estampa de um arco em forma da lua minguante, com as palavras Temporada de caça aos Manticores - 2012. Seus cabelos eram ondulados até o meio das costas,perfeitamente penteados.

Ambos olhavam para a turma, como se procurassem algo. Quando os olhos da menina cairam em mim, ela parou e abriu a boca, como se visse um fantasma. Ela cutucou o menino e.apontou pra mim com a cabeça e, quando ele me viu, ficou de olhos arregalados por uns dez segundos. Depois disso, eles desviaram o olhar e não olharam mais para o meu lado da sala. A Pri, que senta atrás de mim, sussurrou no meu ouvido.

- Eles estavam olhando pra cá?

- Eu acho que sim - respondi.

- Estranho...

Realmente, estranho é uma definição pobre para o que aconteceu. Parecia até que eles me conheciam, o que era impossível. Eu lembraria de um menino tão bonito assim, com uma irmã idêntica a ele.

A “diretora” olhou para a sala por um tempo, como que medindo os alunos. Seus olhos se estreitaram quando olhou para mim e para a cadeira vazia à minha frente, vazia por que o Rod estava na biblioteca. Se virando para o professor, ela disse.

- Com licença professor Drumon. Preciso falar com a turma.

Antes que sr. Drumon pudesse ao menos responder, a vovó do mal já estava falando com a sala.

- Bom dia a alunos do 1º A.

Alguns alunos resmungaram “bom dia”, e eu tenho certeza que alguns dos meninos do fundo disse “a vaca mia”. Ignorando totalmente nossa falta de entusiasmo, a diretora continuou seu discurso enfadonho.

- Quero lhes apresentar sues novos colegas de classe. Esses são Apolo Augurios Optimus e Diana Artemian Opitmus. Vieram de uma escola conveniada com a Embraer, na Grécia. Apesar disso, seus pais são brasileiros, então eles falam português fluentemente, embora com um sotaque um pouco acentuado. E blá, blá, blá…

Ela continuou falando um monte de asneiras sobre coleguismo, romper barreiras inter-continentais e etc. Os gêmos olhavam pra todos na sala, mas percebi que evitavam olhar para o meu lado.

- Bom - continuou a diretora -, creio que os únicos lugares vagos são ali, nas primeiras fileiras.

Cara, que droga. Só faltava a véia colocar um deles sentado no lugar do Rod. Por que aquele moleque tinha que faltar justo hoje?

Por sorte, não era só eu que lembrava que o Rod sentava ali.

- Na verdade - interrompeu o professor Drumon -, a primeira carteira da segunda fileira está ocupada. Nosso aluno só não está no momento.

Os olhos da diretora Dulcinéia quase brilharam de raiva. O professor salvou o dia. Ou quase.

- Mas onde está o aluno que senta ali?

Atrás de mim, a Pri murmurou :“é agora que a porca torce o rabo”. Mas dessa vez, quem salvou o jogo nos 47 do segundo tempo foi o garoto novo, Apolo.

- Srta. Dulcinéia?

A diretora piscou, estranhando ser interrompida por um aluno.

- Se não for do seu incômodo, eu e minha irmã sentaremos na primeira fileira.

Era estranho, mas não parecia que ele estava pedindo permissão. Parecia que estava apenas comunicando o que tinha decidido. Pela arrogância da velha, pensei que ele já iria ser tomar uma advertência ali mesmo, antes de começar as aulas na escola nova. Mas para surpresa de toda a sala, ela apenas acenou positivamente.

- Certo. Então está resolvido. Podem sentar-se, vocês dois. Drumon?

- Sim?

- Providencie um ou dois alunos para ajudar os nossos colegas a conhecer a escola e colocá-los a par do andamento das matérias.

- Farei isso srta. Dulcinéia.

A diretora olhou para os gêmos enquanto eles se sentavam ao nosso lado. Depois, olhou uma última vez para mim foi embora pela porta. O pensamento de Deb foi colocado em palavras por um outro murmúrio da Pri.

- Sinistro, ae.

Todos olhavam curiosos para os gêmeos, inclusive o sr. Drumon. Assim que a diretora saiu, ele se dirigiu aos recém chegados.

- Bem vindos ao Juarez Wanderlei, Apolo e Diana.

Diana falou pela primeira vez, em nome dos dois. Sua voz era firme, mas ao mesmo tempo melodiosa, quase como uma sinfonia.

- Acho que falo pelo meu irmão e por mim, professor, quando digo que estávamos muito ansiosos para começar as aulas aqui.

Enquanto falava, Diana dava algumas olhadas para mim, o que achei chato e irritante. O olhar dela era um pouco debochado, como se estivesse me avaliando e eu fosse muito menos do que pareci ser a princípio. Estava começando a pegar birra dessa fedelha.

- Eu sou professor de história antiga. Meu nome é Drumon e, se precisarem de alguma coisa que eu puder ajudar, estou a disposição - disse o professor, fazendo uma pequena mesura, o que achei bem bobo e desnecessário.

- Eu estava lecionando sobre a Segunda Guerra - continuou o sr. Drumon -, mas aproveitando a chegada de vocês, pulemos o que eu estava falando e falemos um pouco de história mais antiga - dirigindo-se a sala, ele perguntou. - Turma, vocês sabem qual o país onde os nomes Apolo e Diana foram importantes?

Ninguém sabia, ou se importava em dizer se souvesse. Se o Rod estivesse aqui, ele com certeza falaria. Pensando bem, eu mesmo me lembrava, por causa do filme do Percy Jackson e o Ladrão de Raios que o Rod e a Pri me fizeram assistir. Lembro que dormi o filme inteiro e acordei no final, com o Rod e o André rindo porque o Apolo do filme era negro, e o Rod disse que o verdadeiro Apolo era loiro de olhos azuis. Depois os dois começaram a falar sobre mitologia grega e romana, a diferença dos deuses em cada povo e etc. Chato. Voltei a dormir.

Estranho… O garoto novo, Apolo, também era loiro de olhos azuis. Bom, coincidência boba. Credo! Estou me sentindo super nerd.

Olhei para o Apolo e ele estava visivelmente irritado. Acho que ele deve ter passado por todo tipo de trocadilhos e piadas idiotas por causa do seu chará greco-romano.

Quando o professor percebeu que ninguém respondeu, virou-se para os gêmeos.

- Bem… Acho que vocês conhecem a história dos seus charas, não é mesmo?

Tadinho do sr. Drumon. Ele estava tão empolgado que eu até sentia pena dele. Quando eu estava quase criando coragem para responder o que sabia, Apolo suspirou e respondeu.

- Apolo e Diana são divindades da mitologia romana. Apolo era o deus dos oráculos, da medicina e da música, senhor do sol, que viajava o mundo em uma carruagem guiada por cavalos de fogo. Seu equivalente grego era o deus Febo, nome herdado de sua avó, a titânide da beleza, mistérios e profecias, Febe.

Algumas meninas nerds suspiraram, enquanto outras murmuravam coisas como “tão inteligente e tão bonito”, “que sonho de homem” entre outras. Como se tivessem ensaiado para dizerem isso, Diana começou de onde o irmão parou.

- Diana era uma das deusas virgens, assim como Atena e Héstia, sendo assim, era uma das protetoras das meninas virgens. Era deusa da caça e senhora da lua. Sua equivalente grega era Artêmis, também irmã gêmea de Apolo. Ambos eram filhos do deus dos céus, raios e trovões Zeus, rei dos deuses; e da deusa titânide do anoitecer e oráculo da luz, Leto.

Foi a vez dos garotos nerds viajarem. Entre eles, o professor Drumon. Esqueceu totalmente o assunto anterior (que eu não me lembro por estar dormindo) e começou a discursar sobre as diferenças e semelhanças nas personalidades dos deuses gregos e romanos.

Como já tinha acabado o alvoroço e o clima da sala voltou ao adequado (luz apagada, música erudita e etc), a Pri e eu voltamos a dormir. Porém, tive sonho foi super esquisito.

O garoto novo, Apolo, estava comigo na sala de aula. Todos estavam lá, mas existia uma névoa estranha em toda a sala. Meus colegas de sala estavam todos meio que fora de foco, meio embaçados. Apenas os gêmes e eu estávamos nítidos.
Apolo olhou pra mim sério, com as sombrancelhas franzidas. Eu não sabia por que raios eu estava sonhando com eles, sendo que era a primeira vez que os via, mas sonho é sonho.

- Então - disse eu pra quebrar o gelo -, bem vindos ao meu sonho.

- Hum… - disse Diana.

Ela não parecia estar nem um pouco preocupada comigo. Com uma licha, ela retocava suas unhas canhotas. Apolo olhou pra ela e suspirou, como se o comportamento da irmã fosse algo que ele aguentasse várias vezes por dia.

- Desculpe minha irmã, depois de um tempo nessa realidade ela ficou um pouco estressante.

Diana ergueu os olhos pra mim, ignorando totalmente o comentário do irmão.

- Certo. Então… Quando estava pensando em entrar contato? Acha que somos guerreiros esqueletos, que seguem o líder por toda parte sem questionar nada?

Eu pisquei, totalmente confusa.

- Guerreiros esqueleto? Que diabo você está falando?

Diana olhou pra mim por um instante, como se fosse retrucar, mas Apolo colocou a mão em seu ombro. Seu olhar estava confuso, como se não entendesse o que eu disse.

- Espere Diana. Acho… Acho que estamos com problemas.

- Do que você está falando? Essa guria acha que pode mudar todo o combinado? Sumir no meio da viagem só porque é Filha do Tempo? Ah! Qualé!

Filha do Tempo. Foi assim que a Bia tinha me chamado. Eu levantei e me afastei pelo corredor até a parede.

-  Vocês estão com a Bia? Também são monstros cobras!?

Apolo arregalou os olhos quando falei monstros cobras, o que não me deixou nem um pouco satisfeita.

- Você… Você enfrentou Equília?

Diana riu com desdém. Apontou a lixa pra mim, balançando a cabeça negativamente.

- Como você acha que ela enfrentou Equília? Está dizendo isso apenas pra nos distrair. Se ela tivesse encontrado aquele réptil, teria nos contatado e parado com essa farça estúpida!

Apolo me olhava, com o semblante preocupado. Então, ele arregalou os olhos e segurou o braço da irmã, recuando um passo e puxando Diana com ele.

- Sim - ele disse -, é exatamente o que ela faria. Ao não ser…

Ele deixou a frase no ar. Olhou para Diana, que me encarava com desprezo, até que ela arregalhou os olhos e virou o rosto para o irmão.

- Não… você quer dizer que…

- Exatamente. Foi o Lete.

Ela se livrou do aperto de Apolo, mas não parecia mais disposta a me bater. Seu rosto era uma mistura de medo, vergonha e culpa.

- Ai, não. Pelos raios de Zeus, não!

Agora que eu não estava entendendo nada. Dei um passo na direção deles.

- O que vocês estão dizendo? Quem é Lete?

Apolo olhou pra mim, como se lembrasse só agora que eu estava ali, escutando tudo que eles diziam.

- Acho que nos precipitamos, princesa. Por enquanto, nossas desculpas.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Apolo estalou os dedos e eu acordei. O sr. Drumon continuava falando dos deuses e etc. Eu levantei minha cabeça e cocei meu olho. Estava com medo de olhar para os gêmeos, mas minha curiosidade foi maior.

Quando olhei para eles, eles estavam tomando notas do que o professor falava. Olhei para minha carteira e respirei fundo. Não tinha como meu sonho ser real, não é? Coisa da minha cabeça.

Antes que eu pudesse pensar se ia copiar o que o professor falava, ele desligou o projetor e ascendeu as luzes.

- Bom, para gravar bem o que discutimos hoje, amanhã vocês devem me trazer um trabalho em grupo.

Como se a aula tivesse sido uma discussão. Foi mais um monólogo do professor. Todo mundo resmungou. Os trabalhos em grupo eram estressantes, por que os alunos moravam em partes diferentes da cidade, o que dificultava e muito a locomoção. Minha sorte é que a Pri e eu eramos irmãs, e o Rod morava no mesmo bairro. Portanto, sempre fazíamos os trabalhos juntos, mesmo quando não era em grupo.

- O tema - ele continuou - , será a mitologia greco-romana. Quero que vocês escolham cinco deuses e destaquem as diferenças e semelhanças de suas personalidades gregas e romanas.

Graças aos céus, antes que ele piorasse o trabalho, o sinal do intervalo bateu. Eu estava pronta para sair quando o sr. Drumon nos chamou.

- Deborah? Por favor, venha aqui, e peça para que os irmãos Optimus e sua irmã venham também.

Era só o que me faltava. Olhei para os gêmes e ergui os ombros. Juntos, fomos até a mesa do professor, Apolo, Diana, Pri e eu. Até já sabia o que ele ia falar.

- Deborah, Priscila, como vão?

- Bem professor - respondi.

- Sim, tudo bem, graças a Deus - disse a Pri.

Com ar de quem ia dizer uma coisa extraordinária, o sr. Drumon disse:

- Certo, mas que deus? Apolo ou Diana?

E começou a rir muito animado. Nós quatro apenas esboçamos sorrisos idiotas. Cara, como alguém no mundo podia ser tão ruim em piadas?

Quando percebeu que não estávamos tão empolgados com sua piada, o professor tossiu umas duas vezes e continuou.

- Apolo e Diana, quero que conheçam duas de nossas melhores alunas, Deborah e Priscila.

Mata de vergonha. Seria mais fácil dizer “quero que conheçam nossas maiores nerds”. Essa era a hora ideal de sair correndo e gritando, achar um buraco no asfalto e enfiar a cabeça lá. Porém, a reação dos gêmeos foi muito diferente do que imaginei.

Apolo estendeu a mão para a Pri, enquanto Diana me abraçava e beijava o rosto. Fiquei tão assustada que mal reagia ao abraço. Quando Apolo veio me cumprimentar, seus olhos estavam cheios de espectativa. Ele me estendeu a mão. Quando apertei, senti um calor passando por todo o corpo.

- É uma grande honra conhecê-la, Deborah.

- Hum… hã, certo. O prazer é meu.

- Meninas, gostaria que vocês fizessem seu trabalho com Apolo e Diana. Assim, eles vão se integrando com a rotina da escola. O que acham?

Vi a Pri coçando a cabeça, coisa que ela sempre faz quando está nervosa. A única coisa que eu conseguia pensar era “por que eu?”. Apolo e Diana nos olhavam, ansiosos. Bom, se você souber um jeito de dizer não a um professor na frente de um dos garotos mais gatos que existe, me passa a dica. Não consegui dizer não.

- Ok. Por mim tudo bem.

- Por mim também - disse a Pri.

- Ótimo - exclamou o professor, contente. - Então, acho que…

Antes que ele terminasse, lembrei do Rod. Ele não estava na aula, e com certeza faria o trabalho com a gente.

- Ah! Professor!

- O Rod sempre faz o trabalho conosco. Algum problema?

- Bem…

- Como são cinco deuses - cortou a Pri -, cada um ficará responsável por um. É perfeito!

O sr. Drumon olhou pra nós e pensou um pouco enquanto coçava o queixo. Pelo canto do olho vi a Diana cutucar o Apolo, mas não estava nem aí. Não ia deixar o Rod na mão.

- Não vejo problemas - disse o sr. Drumon. - Onde ele está? Já saiu?

Eu fiquei sem reação. O sr. Drumon não fazia chamada, mas se soubesse que o Rod tinha simplesmente faltado sem mais nem menos, poderia ficar bravo. Graças a Deus, o Apolo salvou o dia (outra vez).

- Poderíamos então, ir para minha casa. Lá teremos privacidade para fazer o trabalho. E minha casa fica só cinco ruas depois da casa de vocês.

Antes que eu pudesse assimilar que eles moravam no mesmo bairro que eu, Diana entrou na conversa.

- Concordo. Podemos almoçar em casa. Meu laptop está cheio de compêndios mitológicos.

Eles nos olhavam com muita espectativa. Uma coisa era fazer o trabalho com eles, outra, muito diferente, era ir almoçar na casa deles e fazer o trabalho lá.  Tive uma conversa silenciosa com minha irmã. Era engraçado, mas as vezes eu tinha certeza que escutava o que ela pensava.

“Ai caramba, e agora Pri?”.

“Bom, o pai não vai gostar muito, mas vai ficar chato se dissermos não”.

“Eles são esquisitos. Mas se não quisermos ferrar o Rod, teremos que aceitar”.

“Fazer o que…”.

- Certo então - eu disse -, concordamos. Só precisamos ligar pra casa e avisar minha mãe.

Diana ficou radiante, bem diferente daquela mau humorada do meu sonho. Nos abraçou e começou a falar sobre maquiagens, o que me chamou atenção. Adoro maquiagem. Foi quando Apolo deu o fora, e tudo ficou esquisito.

- Mas - ele começou -, vocês não iam almoçar na casa da sua prima hoje?

Estavamos tão nervosas na hora que nem lembramos que tinhamos combinado de almoçar na casa da Pam, nossa prima. Assim que ele disse isso, levou uma cotovelada de Diana. Apolo ficou sem graça, e a Pri e eu, de boca aberta. Até o sr. Drumon estranhou.

- Mas como vocês sabiam disso, se conheceram elas hoje?

Demorou um pouco, mas reagi, um pouco… explosiva, digamos.

- Perái! Como você sabe disso? Estava nos espionando?

Antes que Apolo respondesse algo, a diretora Dulcinéia passou em frente a porta. Parou, olhou para o grupo reunido com o professor e depois olhou seu relógio.

- Professor, por que estes alunos não estão no intervalo?

O sr. Drumon engoliu seco, e vi que se não quisessemos deixar ele em maus lençóis, era melhor irmos embora.

- Nós só estavamos tirando uma dúvida sobre o trabalho em grupo, diretora. Estamos de saída.
Ainda bem que todos entenderam a deixa. Fomos embora de cabeixa baixa, sob os olhares austeros da diretora Dulcinéia. Minha vontade era sair correndo e deixar esses dois loucos sozinhos, mas o destino estava claramente me pregando peças.

- Aproveitem que estão juntos e mostrem a escola aos nossos recém chegados - disse a vovó do mal.

Fala sério, cara. Além de bancar a babá, tem que ser de dois esquisitos que espionavam nossas vidas? Ninguém merece.

- Vamos pessoal - eu disse tentando soar animada -, vamos conhecer a escola.

Fomos então fazer um tour pela escola. Apresentei para os gêmeos o laboratório de química, a sala de informática, a quadra de volei - basquete - futsal, o campo de futebol de areia, e os quatro andares que hoje acomodavam 200 alunos, mas que depois de três anos acomodariam 600.

Por todo o caminho Apolo e Diana foram ótimos ouvintes. Quando fazíamos alguma observação, eles fixavam o olhar em nós e não desviavam por nada. Era até meio constrangedor, por que o olhar deles era muito intenso.

Quando enfim faltavam dez minutos para o fim do intervalo, chegamos no pátio. Como sempre, a mesa que o Rod, a Pri e eu usávamos estava vazia. Ninguém gostava de sentar no canto, tão afastado dos outros, mas desde o começo do ano, quando o Rod fez amizade conosco, gostamos de ficar mais longe, conversando apenas entre nós. Frescos? Indiferentes? Pode até ser. Nem ligo.

Passamos pela cantina e pegamos nosso lanche. Minha irmã e eu pegamos bisnaguinha com queijo branco e suco de laranja. Apolo e Diana pegaram sanduíches de presunto e tody. Enquanto íamos para nossa mesa, senti o olhar de toda a escola sobre nós. Já chamavamos atenção por sermos discretos, ficando longe dos outros. Mas acho que a visão dos gêmeos junto de nós alimentava as mentes simplórias.

O silêncio entre nós perdurou e ficou desconfortável, mas já tinhamos falado tanto no tour que não me importava. Sentia falta do Rod, pois sempre comíamos junto. Eu não sabia se devia ou não chamá-lo para o lanche, por isso não mostrei aos gêmes a biblioteca. Mas estava chateada dele não estar ali. Ainda tinhamos que encerrar aquele assunto.

Mas eu não podia cobrar isso dele. Afinal, ele estava tentando me ajudar a entender o que aconteceu com a Bia, se é que ele realmente podia fazer alguma coisa. Só de lembrar daquela pele reptiliana sentia arrepio. Será que o Rod realmente…

- Ora, ora… Quer dizer que temos mais dois manés na mesa dos perdedores hoje?

Eu suspirei. Estava indo tudo muito bem, alguma coisa tinha que atrapalhar. Apolo e Diana olharam confusos para o dono da voz, que chegava escoltado por dois moleques magrelos de cabelo ensebado. O mané que tinha falado conosco era alto e gordo, mais ou menos 1,70 de altura. Estava de jeans rasgado e camiseta do King Diamond. Não sei por que deixavam ele ira às aulas sem o uniforme. O cara era careca, e usava alargador nas duas orelhas. Pele clara, olhos orientais castanhos e nariz estilo porquinho da índia. Um cruzamento perfeito de um japonez, um elefante e um porquinho.

- Bruno Minoling - disse a Pri com evidente desprazer. - Você não tem nada melhor pra fazer? Nos deixe em paz.

Bruno olhou para a Pri com aquele sorriso torto ridículo. O Rod sempre o enfrentava, e apesar do Bruno ser visivelmente mais encorpado (entenda-se gordo) que o Rod, nosso amigo era mais rápido e forte. Ele insistia em nos encher desde o começo das aulas, pois tinha uma queda pela Pri (coitada), mas o Rod colocava ele pra correr. Ultimante, nas últimas três semanas, ele nem deu as caras para encher os patovas, mas como o Rod não estava ali hoje, deve ter se sentido mais cofiante.

- Ui, ui… Está brava gatinha? Posso fazer você ficar calminha, se quiser… he, he, he.

Os dois idiotas ao lado dele riram como duas hienas histéricas, como se a piada fosse muito engraçada. Só pararam quando o Bruno deu uma cotovelada em cada um, ao mesmo tempo. Ficaram segurando a barriga, gemendo e murmurando “desculpa chefe”.

Apolo e Diana encaravam o Bruno friamente. Com um susto, percebi que o olhar que eles dirigiam ao mané era o mesmo que o do Rod. Por um momento, por mais diferentes que eles fossem, Apolo pareceu igualzinho ao meu “amigo”: decidido, forte, inabalável.

Bruno deve ter percebido também, por que parou de nos encher e ficou analisando os irmãos dos pés a cabeça, e por um instante, pude ver medo em seus olhos. Quando ele viu que estavamos todos olhando para ele, inclusive seus capangas, ele recobrou a postura de machão.

- Bem - disse ele, se dirigindo à Apolo e Diana -, é claro aqui que vocês não conhecem as coisas por aqui, afinal, são novatos.

Silêncio.

- Eu sei como é - continuou o glutão -, escola nova, sem conhecer ninguém. Mas na boa, vamos combinar. Pelo que vejo, você é um cara que curte um som.

Ele se referia à camiseta de rock do Apolo, dos Harpas Flamejantes. Apolo nem se moveu, continuou apenas encarando Bruno, que estava começando a ficar claramente irritado.
- E ficar andando com nerds cara… Vai queimar o seu filme. Melhor andar com quem é respeitado por aqui.

Por todo o enfadonho discurso do Bruno, seus capangas ficavam balançando a cabeça e dizendo “é isso ai”, “pode crer”  ou “certeza, chefe”.

Silêncio. Apenas olhares indiferentes.

Bruno começou a ficar com raiva. Ninguém o ignorava na escola, com exceção do nosso grupo. Agora, para piorar, ele já tinha chamado a atenção de todos no pátio. As cabeças nas mesas se viravam pra assistir, e a reputação do Bruno ficou em jogo. Comecei a ficar preocupada, mas demorei pra olhar de volta na mesa. Quando virei para olhar para os irmãos, Apolo estava de pé. A Pri estava visivelmente nervosa, mas Diana não estava nem ai. Tirou uma licha (a mesma que ela usava no meu sonho) e ficou brincando com as unhas da mão.

Sem alternativa, Bruno precisava manter sua moral, então, intimou Apolo.

- Que foi moleque? Qual o problema?

Apolo deu um meio sorriso pro Bruno, exatamente idêntico ao Rod, e pude ver que isso assustou o grandão.

- Probelmas - disse Apolo, como quem estivesse pensando na palavra. - Sim, tenho vários problemas. Sua voz irritante é um, com certeza. Posso listar também seus modos grosseiros de um neandertal e esse bafo horrível que você tem, que, por incrível que pareça, é pior que o hálito de um Draco Ancião.

Eu não tinha a mínima idéia do que era um Draco Ancião, mas ofendeu. A escola toda, reunida no pátio, murmurou “uhummm”, o que só serviu para irritar o Bruno ainda mais. Eu queria por um fim a isso, mas não podia fazer mais nada. Aprendi com o Rod que não se deve interferir em disputas de meninos. O pior, é que Apolo ainda tinha mais uma apunhalada nas mangas, e se apressou em jogá-la na cara do Bruno.

- E pra terminar, o meu maior problema neste momento, é sua incrível idiotice e falta de noção. Faz cinco minutos que você está falando asneiras aqui, enquanto é totalmente ignorado por todos dessa mesa, mas seu cérebro é tão minúsculo e com defeito, que não captou a mensagem que não estamos nem aí pra esse seu papo ridículo e idiota.

A escola inteira explodiu em um “noooossaaa!”. E quando pensei que as coisas não podiam piorar, Apolo deu sua jogada final.

- Mas meu maior problema no momento, é sua fome.

Todo mundo ficou quieto, por que essa foi a coisa mais estúpida que Apolo podia dizer. Infelizmente, eu sabia o que estava por vir. Bruno não deve ter a mente muito boa, por que Apolo ia falar a mesma coisa que Rod falou pra na primeira vez que ele nos incomodou.

- Fome?

- Isso ouvi esse ditado a muito tempo, de um vizinho grego. Ele estava discutindo com um amigo, que lhe fazia cara feia. Nós estavamos do outro lado da rua, e acabamos assistindo. O vizinho olhou para o amigo e disse: “cara feia pra mim é fome”. A julgar pela cara horrível que você tem, não deve comer nada faz uns dois meses.

Foi a gota d’agua. Bruno parecia uma pimenta deformada, de tão vermelho que ficou. Até hoje não sei se foi de raiva ou de vergonha, já que todos os alunos gritavam e tiravam sarro da cara dele. Até as tias e o tio da cantina, que frequentemente eram testemunhas das maldades do Bruno, estavam rindo. E o pior de tudo, é que seus capangas riam histéricamente ao lado dele. Nem as cotoveladas do “chefe” fizeram eles pararem.

Como resposta, Bruno voou como um predador em cima de Apolo, com um soco preparado para lhe acertar o rosto. Só tive tempo de colocar a mão na boca. A Pri fechou os olhos, mas pelo canto do olho pude ver que Diana sorria e balançava a cabeça.

Ninguém viu como aconteceu, nem eu que estava a uns cinco passos de distância da briga. Em um segundo, Bruno estava para acertar Apolo. No segundo seguinte, o brigão estava de cara no chão, com o “novato” segurando seus braços para trás, com o joelho em cima de suas costas.

Os risos morreram, e um silêncio mortal caiu sobre o pátio. Todos estavam de olhos arregalados e bocas abertas, encarando pasmos o aluno novo definitivamente botar o encrenqueiro da escola a nocaute. Mas antes que alguém pudesse pensar em falar ou fazer alguma coisa, a voz irritante da diretora Dulcinéia gralhou nos falantes do colégio.

- Atenção! Atenção todos os alunos e funcionários. Acabaram de notiifcar a escola que o bairro está com falta de aguá e luz, devido a manutenção de emergência. Por isto, as aulas de hoje e amanhã estaram suspensas. Direjam-se a suas respectivas salas para pegarem suas coisas e vão para a entrada da escola, onde os ônibus virão buscá-los para levá-los para casa.

Antes que a diretora conseguisse dizer “dirijam-se”, todos estavam correndo que nem loucos em direção das salas. Todos menos nós. Diana, Pri e eu ainda estávamos lá, olhando Bruno fazer de tudo para se libertar de baixo de Apolo, sem nenhum sucesso. Finalmente, depois de todos terem saído, Apolo largou os braços do garoto, nesta altura imensamente envergonhado.

Bruno levantou com o rosto sujo de pó e os olhos arregalados e lacrimejantes.

- Como… como você…

- Já lidei com coisas muito piores do que encrenqueiros.

- Mas…

- Ouça bem - disse Apolo -. Se você incomodar qualquer outro aluno, principalmente meus amigos, vai se arrepender.

Dizendo isso, Apolo deu um empurrão em Bruno, que o fez cambalear derrubando algumas cadeiras. Ele se apoiou em uma mesa e evitou olhar para o chão. Quando se virou para olhar nosso grupo, toda raiva tinha ido embora do seu rosto. Apenas tristeza junto com algumas lágriams que insistiam em rolar de seus olhos. O garoto se virou e saiu correndo.

Quando olhamos para Apolo, esperava ele se vangloriar do que tinha feito, contando vantagens ou mesmo com ar de orgulhoso. Muito pelo contrário, o garoto estava triste. Diana estava encostada na parede, quieta, mas não aparentava estar triste.

- Irmão, foi um mal necessário. Você sabe disso.

Mal necessário? Do que ela estava falando? Olhei pra Pri e ela parecia tão confuso quanto eu.

- Eu sei, mana. Eu sei… é só que… ah! Deixa pra lá.

A Pri ia abrir a boca pra falar alguma coisa, mas achei melhor cortar o assunto. Eu já tinha visto isso antes, várias vezes. Quem sempre ficava triste depois de resolver as coisas com Bruno, ficava chateado por ter que brigar (mesmo ganhando todas as vezes) era o Rod. Até nisso os dois eram iguais. Ou eles seriam melhores amigos, ou… Bem, é melhor ficar com melhores amigos.

- Gente, vamos embora antes que fechem a escola.

Todos me olharam e assentiram com a cabeça. Fomos até nossa sala, agora vazia, e pegamos nossas coisas. Estavamos chegando ao portão quando vi Rod esperando por nós. Fiquei tão desnorteada com o rumo das coisas que me esqueci de ir na biblioteca falar com ele. Graças a Deus ele estava ali.

O que achei estranho foram suas roupas. Ele estava com sua camiseta dos Thundercats, bermuda preta, chinelos e boné. Não sei como deixaram ele entrar na escola, muito menos ficar na biblioteca. Mas estava com sua mochila e do lado de dentro do portão, o que provava que sua história era verídca.

Ele estava visivelmente preocupado e, ao nos ver sair, veio em nossa direção. Eu e a Pri o cumprimentamos, com beijos e abraços, mas precebi que ele se demorou um pouco mais me abraçando (nem gostei disso). Quando me afastei dele, achei melhor apresentar os gêmeos.

- Rod, estes são Apolo e Diana. Vieram da Grécia e estão na nossa sala. Eles moram perto de nós, na rua do Mercadinho Galo Branco.

Para o meu espanto, o Rod não reagiu à apresentação. Pra falar a verdade, nem sei se ele ouviu. Estava encarando Apolo com um olhar tão frio e seco que me deu até um pouco de medo. O grande problema: Apolo também encarava o Rod, com o mesmo olhar.

Quem salvou o clima foi a Diana. Ela se adiantou e deu um beijo no rosto do Rod (o que eu não gostei nem um pouco), olhando nos olhos dele com uma expressão de “oi, tudo bem?”. Essa fulaninha ta pedindo…

- É um prazer conhece-lo Rod. As meninas falaram muito bem de você.

Rod relachou um pouco, desviando os olhos para Diana por tempo suficiente apenas para retribuiir o cumprimento.

- O prazer é meu, Diana.

Logo em seguida, voltou a encarar Apolo. Eu nunca o vi assim. Como vi que eles não se cumprimentariam, quebrei o silêncio e expliquei tudo ao Rod sobre o trabalho e nossa programação da tarde. Pensei que ele ia se opor aos gêmeos estarem no grupo, mas sua expressão se suavisou um pouco.

- Ok. Por mim tudo bem.

- Mas gente - disse a Pri -, ainda é muito cedo, dez horas. O que vamos fazer? Nos encontramos depois?

- Se vocês não se importarem - respondeu Diana -, podemos ir agora pra nossa casa. Assim, adiantamos o almoço e ficamos mais tempo para pesquisar. O que acham?

Eu estava me segurando pra dizer que com aquele clima não ia rolar trabalho nenhum, quando a Pri se manifestou.

- Hum… Sem querer ser chata nem nada do tipo…

- Pode falar - disse Diana com um sorriso.

Tinha certeza que ela ia fazer alguma objeção, levando em conta todos os eventos da manhã, mas o que ela disse foi simplesmente… sei lá, ridículo? Engraçado?
- Com aquela bagunça toda no intervalo, nem tivemos tempo de comer direito. Será que não rola um lanchinno das dez e meia?

Não deu outra, todo mundo riu. Não sei se a Pri fez de propósito, mas saiu tão fonseca que o clima pesado amenizou.

- Lógico - disse Diana, quando ela conseguiu parar de rir.

Ela abraçou a Pri, e me pegou pela mão e começou a caminhar em direção ao bairro. Os meninos começaram a conversar, enquanto iamosn na frente.

- Não tem problema deixar os dois sozinhos? - Perguntei.

- Que nada, meu irmão e seu amigo vão se entender.

Eu não tinha tanta certeza disso. Estava com um pressentimento muito ruim, quase um desespero. Precisava voltar lá. Me soltei de Diana e comecei a correr de volta para onde os meninos estavam. Bem a tempo. Rod e Apolo se preparavam para brigar, e pelo que conhecia dos dois, isso ia ser muito feio.

Crédito da imagem - Rice Claire
 

Capítulo 6 - Conheço alguns senpais


Só pra variar um pouco, eu sonhei outra vez que estava no tal Salão das Eras (que mais parecia um planeta dos filmes do Rod e não um salão). Desta vez eu não estava sozinha. Assim que cheguei lá a tal da K e os dois tigres vieram se juntar a mim. Mesmo sendo um sonho, eu ainda tinha medo dos tigres. Eles pareciam meio... inteligentes demais pro meu gosto, mas como era apenas um sonho, deixei pra lá. Não tinha nada que eu pudesse fazer a respeito.

- Olá Déb - disse K. - Como vão as coisas?

- Oi. Bem, acho. Então... você mora aqui?

K riu, não sei do que. Até os tigres pareceram achar graça na minha pergunta.

- Não, tolinha. Aqui é os Salão das Eras, ninguém mora aqui. Estamos aqui de passagem, assim como você.

- Hum... e por que estamos aqui?

- Bem... você para ouvir e aprender, eu e os outros para te ensinar.

Olhei para os tigres e depois para ela novamente. O que um tigre poderia me ensinar? As melhores formas selvagens de prevenir pulgas africanas? É, essa eu passava.

- Venha andar comigo e conhecer alguns amigos - disse K. Sem ter o que fazer, eu a segui.

Passamos por vários portais, mas ela não parou em nenhum. As vezes apareciam algumas arvores. Passamos por um rio que desaguava em uma linda cachoeira, mas a agua era verde-claro. Achei melhor não beber.

Enfim, chegamos a um deserto, com um portal feito de pedra azul com pontinhos cintilantes.

- Esse é o próximo passo que você deve dar, Déb. Vá em frente, toque o portal.

Olhei para o portal por um tempo. Tenho que admitir que estava bem curiosa para saber quem ou o que iria sair dali. Avancei e toquei no portal, que imediatamente começou a brilhar. K, os tigres e eu nos afastamos enquanto quatro adolescentes passavam pelo portal.

Os dois garotos eram negros, mas um tinha o cabelo enrolado até a metade do pescoço e os olhos um pouco puxados. Usava camisa branca e calça bege, ambos de algodão. O outro era careca e tinha lábios mais carnudos. Estava de calça jeans e uma camiseta sem manga de um time americano de sei lá qual esporte (não ligo nem para esporte brasileiro, porque ligaria para os americanos?).

Uma das meninas era loira, usava calça bailarina euma blusinha preta. Seu cabelo ia até a cintura e seus olhos era azuis. A outra era morena e usava um bonito vestido vermelho. Seu cabelo liso escuro ia até a altura dos ombros. Pela maneira que estavam juntos, deu pra perceber que a loira e o careca eram um casal, enquanto a morena e o outro garoto formavam outro. Percebi que eles também nos avaliavam. Foi o moreninho que tinha cabelo que quebrou o gelo. Ele falou com K antes de falar comigo.

- Você é K, certo?

K confirmou com a cabeça, mas antes que pudesse falar alguma coisa a menina loira passou a mão no rosto e suspirou, olhando pra cima.

- Francamente irmãozinho, é lógico que ela é a K. Ela está com dois tigres do lado dela, se você não percebeu. Quem você acha que ela é? Branca de neve? Papai Noel? Francamente...

- Hei, fica quieta. É preciso quebrar o gelo.

A morena e o careca seguravam o riso. Já que os dois que brigavam eram irmãos, aquilo deveria ser  normal. Ignorando os irmãos que discutiam, a morena olhou pra mim.

- Olá Déb. Desculpe nossos.. hã... lideres. Eles têm alguns problemas familiares que esquecem de omitir quando temos visitas.

Os dois pararam de discutir. O garoto parecia chateado com o que a namorada disse, mas a garota mostrou-se apenas desinteressada. O careca continuou.

- Sabemos que enfrentou seu primeiro desafio. Saiba que isso é apenas o começo, mas você não estará sozinha.

- Sim - disse a loira -, a ajuda chegará logo. Até lá, você precisa fazer de tudo para se manter viva.

Olhei pra eles, digerindo o que eles falavam.

- Vocês estão dizendo que virão mais mulheres cobra?

- Não sabemos - disse o de cabelo enrolado. - Ainda não se tem idéia de quais seres estão apoiando o inimigo, por isso, tenha cuidado.

- Certo. Hum... e vcs quem são?

Eles se olharam, sem saber bem o que dizer. Acho que não tinham pensado no lance de não poder falar o nome verdadeiro. Bem, só podia ser esse o motivo para a K não ter dito seu nome. No final, foi ela quem os salvou.

- Eles são da Casa da Vida. Este - ela disse apontando para o garoto de cabelo enrolado - é o Faraó.

- Faraó - eu repeti, incapaz de acreditar que aquele moleque era um Faraó. K continuou como se eu não tivesse dito nada.

- A irmã dele é S. A namorada dele é Z. E o namorado da irmã dele é W.

- Vocês são loucos... eu disse.

- Loucos ou não - disse Z -, estamos aqui para te ajudar - ela virou então para K. - Você entregou a ela o colar de contas?

K arregalou os olhos e começou a mexer desesperadamente na sua mochila. S revirou os olhos e estendeu o braço pra mim. Em sua mão tinha uma pulseira com quatro pingentes bem pequenos. Os pingentes eram um falcão, uma lua minguante, um sol e uma cabeça de lobo.

Era lindo, mas não sabia porque estava usando aquilo. Olhei para K, que tinha achado o colar que procurava. Era de ouro, com um pingente estranho. Uma mulher de quatro braços sentada sobre dois tigres, um branco e um preto. Olhei para K, que piscou pra mim.

- É isso ai. Quando precisar de ajuda, toque um pingente e você receberá um pouco do nosso poder. Mas você só pode usar um por vez e, apenas quando estiver em apuros ou precisar muito achar alguém ou alguma coisa. Não use a toa o poder dos seus senpais.

Antes que eu pudesse perguntar o que era um senpai, fui sugada para outro lugar por uma voz estridente que me chamava sem parar.

 
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