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Capítulo 4 – Um visitante mais que especial


Acordei com a Pri gritando na minha orelha e me sacudindo.

- Déeeeeeeeeeeeeeee! Déeeeeeeeeeeee!

- Ah!!!!! Sai de cima de mim, sua louca!

Ela riu que nem doida e continuou me sacudindo. Enquanto não sentei e joguei meu travesseiro na cara dela, sinal de que estava bem acordada, ela não parou.

- Que que você ta fazendo aqui essa hora? Por que não ta na escola?

Ela olhou pra mim com cara de “dã” e apontou pro seu relógio de pulso com o indicador.

- Que horas você pensa que é? São cinco e meia.

Olhei pra ela assustada e peguei meu celular em baixo do travesseiro. A magrela tava certa, eram mesmo cinco e meia. Eu passei o dia inteiro dormindo.

- Eu...

- Você dormiu o dia inteiro, bem. Mas esquenta não. O pai disse que tentou te acordar, mas você não abria os olhos nem com reza brava, então, achou melhor você dormir pra ver se acordava melhor.

Eu me espreguicei, dando um baita bocejo. Ainda estava com a roupa que fui no médico.

- Bom – eu disse, - vamos tomar café?

Ela me olhou com cara de quem tava aprontando alguma. Conheço minha irmã. Fiquei um tempo esperando ela me dizer alguma coisa. Como não disse nada, e ficava com aquela cara de pamonha, não agüentei. Sou super curiosa.
- Tá, tá! Fala logo. O que foi?

- Acho melhor você ir lavar o rosto.

- Por quê?

- Por que acho que você não vai querer encontrar o Rod assim, com a cara toda achatada.

Senti meus olhos se arregalando e minha boca abrindo. Parecia que meu peito ia explodir. Não... O Rod não podia estar...

- Lá embaixo - disse a Pri, como se lesse minha mente, - com o pai. Se eu fosse você, não deixava ele muito tempo esperando... Foi maior difícil convencer ele a vir, e se você não descer, ele pode ir embora e...

Antes que ela terminasse, joguei meu último travesseiro do estoque na cara dela e corri pro banheiro. Precisava passar pelo menos um creme anti-olheira e um lápis no olho. Será que dava tempo de passar um blush?

- Deb!

Ai droga, era o meu pai gritando lá de baixo. Isso significava que a paciência dele tava acabando. Ele odeia ficar fazendo sala pros nossos amigos, principalmente quando era um menino amigo da Pri, ou meu. Mais principalmente ainda quando era o Rod.

Não que ele não gostasse do Rod, mas meu acho que meu pai conseguia entender o que eu sentia pelo cego do garoto bem mais do que ele. O Rod é... desligado, quando o assunto é relacionamento entre um menino e uma menina. E eu não ia ficar me fazendo de fácil por causa dele. Até porque, eu achava que ele também gostava de mim. Mas sinceramente, como era tapadinho.

- Deb! O menino ta esperando!

- Já vou!

Como meu pai era delicado...

Acabei passando só o creme anti olheira e o rímel. Escovei os dentes, pentei o cabelo e desci. A Pri já estava na cozinha, matracando sem parar com meu pai. Com certeza, tava tentando fazer com que meu pai deixasse a gente um pouco mais a vontade, coisa que ele não era muito a favor de fazer.

Quando eu desci,ele me olhou de cara feia e continuou conversando com a Pri. Se bem que não era uma conversa, estava mais para um monólogo.

- Oi Deb.

Virei na direção da sala e ele estava lá, em pé, me esperando.

- Oi Rod, tudo bem?

- Comigo? Sim, está tudo bem. Quero saber como você está, senhorita.

O Rod é um cara muito, mas muito legal. Ele é moreno, bem moreninho mesmo. Tem a cabeça raspada e lindos olhos negros. É praticamente da minha altura, um metro e sessenta, acho. Estava vestido com sua camiseta dos Thundercats preta(ele adora esses negócios de desenhos animados e hq’s), calça jeans preta e tênis preto (é, eu sei, ele praticamente só tem roupa preta). Nas mãos estava seu Iphone. Com certeza, ou ele estava lendo um livro (ele adora ler, tempo todo) ou jogando MAA (Marvel Avengers Alliance, jogo online dos Vingadores. Até comecei a jogar por causa dele, e acabei viciando).

- Senta ai – eu disse pra ele, sentando no outro sofá. Não ia arriscar o sr. Machado dando chilique, né?

Ele sentou, e ficou me olhando, com um sorriso nos lábios. Até que seu sorriso desapareceu.

- Deb... Sério. Você tá legal? Fiquei super preocupado ontem. Tentei ficar lá, entrar na enfermaria, mas a Angélica me disse pra ir pra casa. E depois – ele disse abaixando o tom e olhando desconfiado pra cozinha, - eu não sabia se seu pai ia gostar de me ver lá. Acho que ele não vai muito com a minha cara, sei lá porque.

Eu tive que segurar pra não rir na cara dele, porque ele era o único ser no mundo que não sabia porque meu pai não gostava dele.

- Bobagem – eu disse. Estava na hora de mudar de assunto. – Agora eu estou bem. Só um pouco confusa ainda, mas vai passar. Não entendi muito bem o que aconteceu, mas, agora acho que to bem.

Não queria tocar no assunto da Bia, que a Angélica afirmou não existir. Eu tinha te me esquecido de comentar isso com a Pri, mas não ia dar mancada para o Rod me achar doida. No final, ele facilitou minha vida.

- Olha Deb.... Eu vim aqui te ver, por que estava preocupado com você – ele sorriu, meio sem graça, o que eu amei. – Mas também tem outro assunto que gostaria de tratar com você, antes que eu acabe ficando louco.

Meu coração acelerou. Será que ele ia... Não, não ia. Pela cara dele, ele estava falando de algo mais complicado (infelizmente). Parecia que ele estava realmente com medo de alguma coisa.

- Pode falar Rod. Seu eu puder te ajudar de alguma maneira...

Ele respirou fundo, antes de dizer.

- Todos na escola afirmam que você caiu e bateu a cabeça na sala de aula, na aula de química do professor Tiburço.

Ele esperou para que eu pensasse no que ele tinha dito.

- Certo.

- Então – continuou, - eu não quis falar nada a respeito porque não queria parecer idiota, mas...

- Fala logo.

- Eu não lembro disso acontecendo.

Eu olhei pra ele por alguns instantes. Será que ele...

- Eu me lembro – ele recomeçou, antes que perdesse a coragem – de você sendo chamada pelo sr. João e indo pra diretoria, não pra falar com a tal de Dulcinéia que ta todo mundo afirmando ser a diretora e tratando como se ela estivesse lá desde o começo do ano. Quem chamou você foi a Bia, que sempre foi a diretora da escola, pelo menos na minha cabeça. Então Deb, por favor, alguma coisa do que eu disse faz sentido pra você?

Estava sem fala. Tentei esconder o dia inteiro que a história da Angélica não fazia sentido, e me vem o Rod e fala que também lembra das coisas exatamente como eu.

- Rod...

- Por favor, Deb. Se estou ficando louco é só dizer.

Respirei fundo, e quando ia contar pra ele, minha mãe entrou em casa pela porta da sala.

- Filha.

Ela veio em minha direção e me abraçou forte. Só então notou o Rod no outro sofá. Ela sorriu pra ele e depois piscou pra mim, no que ela achou ser uma atitude bem discreta, que infelizmente o Rod viu. Ele não tinha onde enfiar a cara, nem eu.

- Rod, que bom ver você aqui.

- Boa noite, dona Ruth. Como vai a senhora?

- Vou bem, graças a Deus. Fica pra janta?

- Bem, acho...

- Ruth! Demorou pra chegar.

Meu pai entrava na sala, com a Pri, o André e a Carol atrás. Minhas irmãs estavam cochichando e rindo, enquanto meu pai e o André estavam estufando o peito, numa típica atitude de machos dominantes da manada. Eu queria entrar dentro de uma caixinha de fósforo e explodir.

- Ora amor – disse minha mãe, rindo da cena, que estava patética, - passei no mercado pra comprar mistura. Você sabe que eu sempre passo no mercado depois do serviço.

- Humpf... Agora terei que ir trabalhar de carro.

Na verdade, meu pai já devia ter ido faz uma meia hora. Mas pelo que conheço dele, estava esperando o Rod ir embora ou minha mãe chegar. Ele se contentaria mais com a primeira opção, mas a segunda já dava pro gasto.

- Estou indo então – deu uma olhada pro Rod. – Quer uma carona pra casa? Vou passar lá perto, pra deixar o André no curso de informática.

Antes que o Rod pudesse abrir a boca e dizer que morava dois quarteirões acima da nossa casa e que não precisasse de carona, minha mãe salvou a noite.

- Gentileza sua, querido. Mas eu convidei o Rod pra jantar conosco. Já até mandei uma mensagem de texto pro celular da Helena avisando. Podem ir amores – disse, dando um beijo de despedida no meu pai e no André. – André, depois do curso de volta pra casa.

- Ah! Mãe, qualé!

- Sem qualé! Acabando o curso, direto pra casa.

Meu irmão saiu resmungando. Minhas irmãs e eu beijamos meu pai, nos despedindo. Ele olhou de cara feia para o Rod outra vez, que acenou com a mão um tchau e foi embora. Assim que o carro saiu, minha mãe chamou a Pri pra ajudá-la com a janta.

Infelizmente, a Carol ficou, e não dava pra continuarmos a conversa. Ela pediu pro Rod brincar com ela de boneca, e ele aceitou prontamente. Fiquei ali, rindo enquanto ele era o Kent, que tinha que pedir a Barbie em casamento.

- Eu vou ver se minha mãe precisa de ajuda.

- Tudo bem – dele disse sorrindo. – Enquanto isso, vou construir uma casa aqui e...

- A casa já vem pronta – cortou a Carol, e o Rod ficou com cara de tchongo. - Você tem certeza que nunca ouviu falar da cidade da Barbie? É o melhor brinquedo do mundo e...

A Carolzinha é terrível. Agora que ela tinha pego alguém com disposição para ouvir,com certeza ela iria contar ao Rod toda a história da Cidade da Barbie. Olhei para ele, que estava com cara de “não estou entendendo nada”. Eu ri e fui pra cozinha. Como a Pri tava lavando a louça, fui ajudar minha mãe a cortar os legumes.

Ela olhou pra mim, sorriu e deu uma esticada no pescoço pra ver o Rod e a Carol brincando.

- Sabe filha, é preciso ser muito homem pra brincar de casinha com uma menina.

- Eu também acho, mãe – disse retribuindo o sorriso.

- Ele é um menino – continuou minha mãe. – Vai ser um pai cuidadoso. Da pra ver só pelo jeito que ele trata a Carolzinha.

Fiquei olhando para os dois brincando na sala. A Carol tava imitando minha mãe, quando ela fica brava com meu pai, porque o Rod não tinha comprado alguma coisa que ela queria, no mercado de mentirinha. Ele ria a bessa, e pensei que talvez fosse hora de parar de dar uma de difícil.

- Ele será um bom namorado – disse minha mãe, olhando para os legumes que estava cortando.

Olhei outra vez pra ele, e quase falei pra minha mãe que eu não tinha duvida disso.

Durante o jantar (carne com legumes, que eu amo!), minha querida família estava fazendo de tudo para deixar o Rod bem a vontade (no enteder de minha mãe e minhas irmãs, é claro), o que resultava em vários risinhos, piscadelas, cotoveladas, cochichos e chutes na minha canela. E o pior de tudo é que elas se achavam as rainhas da discrição.

- E então Rod - disse minha mãe, - quais são seus planos pra depois do ensino fundamental?

Coisa típica de professora, querer saber o que os amigos de seus filhos querem ser quando crescer.

- Bom - começou o Rod, - apesar do Juarez ser uma escola que tem por objetivo formar engenheiros para a embraer, eu quero me especializar em outro campo, dentro da Web.

Minha mãe olhou pra mim com uma sobrancelha levantada, e eu tinha certeza que vinha bomba por aí. Se eu apostasse, teria ganho.

- Mas se a escola incentiva os alunos a estudar um campo que pode praticamente garantir seu futuro, como a parceria do Juarez e da Embraer, por que ir contra o sistema?

Sabia que ia fazer isso. Ela vive perguntando isso para os meus irmãos e pra mim. Por um momento, pensei que o Rod pudesse se embananar, sei lá. Mas ele apenas engoliu o pedaço de carne que estava mastigando, olhou pra minha mãe e sorriu antes de responder.

- Esse é o ponto, dona Rute. As maiores revistas voltadas para o estudo de executivos, respalda que a maioria desses profissionais têm uma aposentadoria frustrada, porque passaram toda a vida trabalhando feito doidos e deixaram de lado coisas básicas, como a família e amigos. O Juarez nos treina exatamente para isso, para termos carreiras meteóricas que comprovem o bom ensino da escola.

Minha mãe franziu a testa, e me olhou pelo canto do olho antes de questionar o Rod. Acho que nenhum de nós tinha expressado o ensino do Juarez assim antes.

- Mas porque isso é errado?

- Não estou falando que é errado - disse o Rod. - Apenas acho que quero algo diferente pra mim. Os estudos de tendências são claros que as empresas estão caminhando para Home Office, e o empreendedorismo é muito mais presente do que muitos acham. Creio que com conhecimentos fortes, uma boa formação e um bom network, é possível ter uma vida confortável, um bom trabalho e tempo para coisas fundamentais, como família, amigos e lazer.

Minha mãe ficou olhando Rod por um tempo, que nem reparou nisso. Continuou comendo e bebendo suco de uva. A Carol, que estava cheia desse papo, perguntou pro Rod o que ele achava do desenho das Winks, e quando ele falou que gostava de assistir, mergulharam em um papo louco de fadas, elfos, bruxos e etc.

Minha mãe ficou olhando os dois conversarem e sorriu, achando graça daquilo tudo. Eu estava louca da vida, porque depois de um papo todo cabeça daquele (é, o Rod é meio nerd, não adianta), ele começa a falar de elfos e dragões e sei lá mais o que. Ou seja, não conversou nada comigo.

Minha mãe estava olhando ainda pra eles e virou pra mim balançou a cabeça positivamente e formou as palavras sem som “boa escolha, filha”, e voltou a comer despreocupada. Fiquei olhando pra minha mãe, depois olhei pro Rod conversando com a Carolzinha e a Pri, que tinha entrado na conversa também. Ela também amava as tals das Winks. Foi então que percebi que a parte mais complicada, que era ganhar minha família, o Rod já tinha feito.

Acabamos de jantar e a Pri e eu tiramos a mesa. Quando terminamos, cochichei pra Pri.

- Pri, cuida da louça hoje?

- Nem vem, eu lavei antes da janta. Agora é sua vez.

Olhei pra sala, onde o Rod conversava com a Carol, que mostrava vários de seus desenhos das Winks pra ele. Abaixei a cabeça e vi que não teria nenhum tempo a sós com ele.

Acho que minha irmã enfim percebeu o porquê do meu pedido. Ela suspirou e olhou pra mim, com um sorriso malvado no rosto.

- Ok. Eu troco com você. Mas - ela disse antes que eu pudesse agradecer, - você fica me devendo uma.

- Ta bom - concordei. - Quando você trouxer algum garoto aqui em casa eu lavo a louça.

Ela não disse nada, só fez aquela cara de quem está tramando algo. Acho que não era isso que ela estava pensando. Antes que ela mudasse de idéia, eu fui pra sala.

- Mãe, posso ficar ali em frente de casa, conversando com o Rod.

Minha mãe estava assistindo a TV. Ela olhou pro Rod, que ainda estava vendo os desenhos da Carolzinha e elogiando como ela desenhava bem. Depois olhou pra mim.

- Que horas são?

Estranhei a pergunta da minha mãe, mas olhei meu celular e respondi.

- São oito e dez.

Ela pensou um pouco  e depois disse.

- Ok. Mas entre as nove, está bem? Você tem que descansar e o Rod não pode ficar andando a toa por ai muito tarde. Rod, liga pra sua mãe avisando que vai demorar um pouco mais, só pra ela ficar despreocupada.

- Tudo bem dona Ruth. Ligo sim.

E dizendo isso ele já estava pegando o celular pra avisar a mãe dele. Minha mãe olhou pra mim e falou sem som, só formando as palavras: “juízo”. Graças a Deus o Rod não viu isso, que mico.

Ele se despediu de minha mãe e minhas irmãs e fomos para fora. Sentamos no banquinho que tem em frente do muro de casa. Ficamos quietos um pouco, só aproveitando a companhia um do outro. Ele olhou pra cima, pro céu.

- A lua está linda hoje não está?

Eu olhei pra onde ele olhava. Era lua cheia, sem nenhuma nuvem no céu. As estrelas cintilavam pela imensidão do céu azul escuro. Lindo.

Olhei pra frente e vi uma lagartixa no muro do vizinho. Na hora me lembrei da Bia. Era a primeira vez que pensava naquilo depois que tinha chegado em casa. Lembrei da pele reptiliana, a cauda grossa, as presas... Se alguém podia me ajudar a entender aquilo, e este alguém era o Rod, tinha que confiar nele.

- O que você estava falando hoje mais cedo... sobre achar que poderia ter acontecido outra coisa comigo na escola ontem...

Ele olhou pra mim e esperou eu continuar. Seus olhos escuros me olhando intensamente, sem desviar a atenção dos meus olhos. Se fosse outra pessoa eu poderia achar ruim, olhar pro chão, sei lá. Mas com o Rod, só me encorajou a falar tudo.

Contei a ele o que aconteceu desde que saí da classe. As coisas estranhas que o sr. João falou, a conversa esquisita da Bia, ela virando um bicho de cauda e presas esquisitas, o tempo parando, o cara de fogo e eu acordando na enfermaria, com a Angélica falando que a Bia nem existia, que a diretora era uma tal de Dulcinéia.

Quando acabei, fiquei quieta, esperando ele me chamar de louca, rir da minha cara, sei lá. Qualquer um em seu juízo normal teria uma dessas reações, ou até pior. Mas o Rod ficou olhando pra frente, como se estivesse pensando.

Enfim, ele olhou pra mim e perguntou.

- Você disse que ela te chamou de filha do Tempo?

Estranhei totalmente a pergunta dele. Eu estava pronta para algo como “você bebeu alguma coisa antes de entrar lá?”, ou “Deb, você não está usando drogas, está?”.

- Sim... foi isso que ela disse.

Ele me olhou preocupado, e fez exatamente o que eu não estava esperando. Me beijou. Foi leve, bem devagar. Ele encostou a mão direita no meu pescoço e me deu um selinho. Eu fiquei pasma, tão sem reação que só consegui fechar o olho e sentir os lábios dele no meu. Depois de uns cinco segundos, ele se afastou. Olhava pra mim ainda preocupado, mas muito convicto. Me senti mais segura quando vi que ele não estava sem graça, por que eu estava e muito, o suficiente pros dois.

Já tinha imaginado várias vezes meu primeiro beijo, mas nunca esperava algo tão repentino. Eu fiquei olhando pra ele, esperando uma reação. Coloquei uma das mãos nos lábios. Ele tomou a outra e sorriu pra mim. Foi como se o sol tivesse baixado na terra, tão lindo foi o sorriso dele.

- Deb, eu sei que fui meio apressado mais...

- Não - eu disse cortando ele. - Não, não foi. Foi... ótimo.

O sorriso dele pareceu ficar mais radiante ainda, se é que isso era possível. Ele continuou falando.

- Deve ter sido muito difícil pra você, tudo isso. Eu devia ter estado ao seu lado.

Eu ri, o que o deixou um pouco sem graça. Ele fica lindo quando está envergonhadinho.

- Como você entraria lá? A Bia era uma cobra e...

Eu parei. Foi a vez dele rir. É lógico que ela era uma cobra. Acabei rindo também.

- O que eu quero dizer - disse tentando recomeçar, - é que você não conseguiria entrar. E como você saberia que isso ia acontecer?

Eu estava aliviada por ele acreditar em mim, mas não era culpa dele. Mesmo assim, ele parecia estar totalmente convencido de que a culpa era dele.

- Eu... eu só queria estar lá, só isso - Ele me olhou nos olhos e pegou minha outra mão. - Se alguma coisa te acontecesse, minha vida não teria o menor sentido.

Eu sorri pra ele. Estava quase levitando, quando a Pri gritou da janela da sala.

- Deb, são cinco pras nove.

- Tá! - gritei de volta.

Olhei pra ele me desculpando. Não podia perder minha mãe como aliada, então era melhor entrar logo.

- Nós não tivemos tempo de falar sobre... hum... o beijo - eu disse pra ele, sorrindo e bem envergonhada.

Apesar de moreninho, eu pudia jurar que ele estava ficando vermelho.

- Certo... é... hum... hã... Cara, isso é muito embaraçoso.

Nós rimos juntos outra vez, ainda de mãos dadas. Quando paramos, ele olhou pra mim e disse, olhando nos meus olhos (já disse que adoro quando ele faz isso?).

- Deb... eu... eu gosto muito de você. Não só como amiga, como algo mais. Eu... você me da uma chance de mostrar pra você que...

- Que você será um bom algo mais? - Eu disse fazendo o possível para permanecer séria, o que não era nada fácil com ele gaguejando e se enrolando todo.

- Sim... não! Quer dizer, droga... O que eu quero perguntar é: você quer namorar comigo?

Pensei que ele não ia conseguir. Quando eu ia abrir a boca, meu celular vibrou no bolso. Quando olhei o que era, era a Pri mandando uma mensagem.

“São nove horas. Entra por que o pai tá no telefone com a mãe. PS: me deve mais uma.”

Eu levantei e o Rod levantou também, meio confuso.

- São nove horas. Eu preciso entrar.

- Certo, tudo bem. Mas...

Antes que ele pudesse falar qualquer coisa, dei um beijo nele. Um selinho rápido, só pra despedir.

- Podemos conversar amanhã? - perguntei já entrando e fechando o portão.

Ele ficou me olhando, assutado de início. Depois, sorriu e acenou com a cabeça. Enfiou as mãos no bolso e foi descendo a rua. Queria ficar lá olhando até ele virar a esquina, mas não queria abusar. Entrei correndo dentro de casa.

Minha mãe estava com o telefone sem fio na orelha, deitada no sofá. A Pri e a Carol já tinham subido.

- Claro, bem. A Deb?

Ela olhou pra mim e deu uma piscadinha.

- Ela está melhor sim. Está aqui comigo na sala, esperando eu dar boa noite. O Rod? - Ela me deu mais uma piscadinha. - Sim, sim, já foi. Só jantou aqui. Espera só um minuto.

Minha mãe apertou o mude do aparelho e me chamou. Fui até ela e dei um beijo de boa noite.
Mamãe ficou me olhando como se eu estivesse escondendo alguma coisa e, como eu estava, virei e subi correndo pro quarto.

Escovei os dentes e fui trocar de roupa. Quando me deitei, as palavras ainda ressoavam na minha mente.

“Você quer namorar comigo?”

Me cobri com o edredon e fechei os olhos. Não sabia que estava tão cansada. Dormi pensando na resposta que daria a ele amanhã.


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