NO LESTE DO QUÊNIA, NO MAIS OBSCURO CANTO DO VALE DO RIFT,
ficava uma região mistica, sagrada para os nativos da tribo Zumbaneli,
habitantes da região. Os Zumbaneli não passavam de 200 habitantes, excluindo
algumas vacas, uns cinco bois, trinta e cinco cães e muitas galinhas. Povo
supersticioso, moravam na borda da região por eles nomeada “Thời gian có giá trị”, ou Vale
do Tempo em nosso idioma.
O mais curioso era que, por mais que os Zumbaneli julgassem o
Vale do Tempo um lugar sagrado e poderoso, a maioria temia e muito se aproximar
do lugar. Fora um ou outro curioso, apenas os xamãs e os guerreiros que se
candidatavam a líderes da aldeia entravam lá. Isso acontecia porque os
candidatos à liderança dos Zumbaneli deviam provar seu valor em uma
demonstração de força, sabedoria ou coragem. E sejamos sinceros, quer maior
demonstração de coragem do que se aventurar em terras com poder místico?
O grande X da questão é que os Zumbaneli estavam certos, pelo
menos no que dizia respeito àquela região ser mística. Por quê? Bem, por que o Vale do Tempo ou “Thời gian có giá trị”, era nada mais nada menos que um Vórtice.
Antes que você corra para o Google
para saber o que é um Vórtice, eu lhe explicarei. Um Vórtice nada mais é do que um elo de ligação entre dois mundos.
Funciona parecido com um portal, mas um portal tem o objetivo de levar uma
pessoa ou objeto de um lugar a outro no mesmo mundo, conectando dois pontos
distantes no mesmo plano de existência através de uma via etérea que se
localiza no espaço/tempo que serve como ligação entre um mundo e outro. Ou
seja, utilizando um portal você passa entre o Elo de Éter, matéria prima que rege o universo em que vivemos,
localizado entre este mundo e o mundo místico de Ethérion, e consegue chegar a
outro local de nosso mundo muito mais rápido do que se você fosse de avião.
Um vórtice atua de maneira semelhante, mas em vez de atravessar
o Elo de Éter e chegar a outro lugar
em nosso mundo, você chega em uma região de Ethérion. No caso, o Vale do Tempo nada mais é do que um Portal
de entrada para Ethérion, mais precisamente para Ícon, reino onde o
espaço/tempo do universo é estudado e controlado.
É em Ícon por exemplo, que moram as Moiras, deusas do destino de todas as criaturas viventes, sejam
mortais ou imortais. É em Ícon também que encontramos Ananque, a deusa da
inevitabilidade, e seu esposo Moros, deus da sorte, ambos deuses primordiais do
destino, que tinham como função supervisionar o trabalho de suas filhas.
Ícon já foi o que consideramos um estado neutro, onde seres de
todas as raças encontrariam acolhimento se desejassem começar uma nova vida. Lá
não existia lutas, brigas, desavenças e picuinhas. Todos viviam em harmonia uns
com os outros, desfrutando o tempo da melhor maneira possível.
A cidade era simplesmente fantástica, linda demais. Ao leste,
um rio límpido e cristalino cortava a cidade. Um pequeno porto podia ser visto,
com pequenos barcos a vela atracados. Mais ao sul, você veria pelo menos duas
centenas de guerreiros de armadura azul treinando sobre a supervisão de três
homens, também de armaduras, mas cada um tinha uma capa branca balançando ao
vento. Minotauros e Cíclopes trabalhavam juntos reformando ou construindo
casas.
Mas tudo isso você veria em
Ícon, se a visitasse no passado. Hoje, a cena era bem diferente.
Primeiro, quando se chegava a Ícon pelo Vórtice, realmente dava
pra ver que você estava em outro mundo, outra dimensão. O céu era roxo com tons
de preto, azul e vermelho. Planetas e luas eram vistos a olho nú, totalmente
desordenados. A paisagem era deprimente, e se via ao norte um castelo negro,
com duas imensas torres. E é nesse castelo onde acontece algo que precisamos
presenciar.
A sala do trono, que antes era viva em ouro, prata e bronze,
agora era escura e fria. Mas eu mentiria se dissesse que o ouro não era mais o
material base daquele lugar. O problema era que o ouro ali usado era ouro do caos, extraído diretamente do Érebo, reino nas profundezas da terra
governado pelo Rei Hades, o minério mais difícil de se trabalhar, muito mais em
grande quantidade para um castelo.
No fundo da sala do trono estava um homem austero, de
fisionomia firme e cruel. Sentava em um lindo e negro trono de ouro do caos, adernado com runas
prateadas e pedras preciosas. Seus cabelos e cavanhaque grisalhos lhe conferiam
a medida certa de sabedoria sem dar a intenção de velhice. Ele vestia um manto
azul escuro, quase preto, e em sua cabeça estava uma coroa de ouro puro, a
única exceção naquela sala lúgubre.
Ele era o atual senhor daquele castelo, mas isso nem sempre foi
assim. Os acontecimentos que levaram aquele homem a sentar naquele trono e ser
chamado de rei de Ícon serão narrados futuramente, mas posso adiantar que
envolve brigas familiares, fugas e traições.
Ah! Indelicadeza minha não apresentar o senhor e rei de toda
Ícon: Chronos.
Impaciente, o senhor do reino do tempo tamborilava os dedos da
mão direita no braço do trono. Com certeza, esperava algo ou alguém, pois seu
nervosismo era claro para qualquer pessoa que ousasse espiar a sala do trono (e
nenhum ser daquele castelo era ousado a tal ponto). Não se sabe dizer quanto
tempo ele esperou, pois o tempo em Ícon era relativamente difícil de ser medido.
Mas finalmente, a espera daquele homem acabou.
Do lado de fora da sala do trono, o arauto do castelo se fez
ouvir, anunciando o tão esperado visitante.
- Lorde Kashyapa,
senhor dos Asuras e rei de Davaasura.
Vale um espaço aqui para ressaltar que os Asuras são um povo
imortal muito poderoso, que nutri ódio profundo dos habitantes do continente e
império Ômega. O reino de Davaasura se localizava no extremo leste de Ômega, depois
do Deserto do Desespero, e sua capital Asur ficava em uma ilha flutuante imensa,
localizada no centro do reino, onde moravam seus mais poderosos guerreiros.
Falaremos mais dos asuras futuramente.
As magníficas portas da sala do trono se abrem. Um homem com
uma aura poderosa, de cerca de três metros, caminha na direção do trono. Sua
pele é vermelha, com tatuagens azuis. Seus olhos são totalmente negros e a
cabeça é raspada. E em um rosto cruel e demoníaco, era possível avistar seus
dentes, ondulados como brocas, em um sorriso tipicamente sínico.
O visitante para em frente ao trono e curva levemente a cabeça
para o lorde do castelo, o máximo de reverência que um monarca divino presta a
outro.
- Lorde Chronos - disse o visitante, com uma voz gélida e
profunda.
- Lorde Kashyapa - replicou Chronos. Sua voz era profunda e
afiada, nem muito grave nem muito aguda.
- Vim assim que recebi seu chamado, majestade. A que devo a
honra de ser lembrado pelo senhor do reino exilado?
Essa foi dura, e fez Lorde Chronos trincar os dentes de raiva.
O motivo dessa reação é que, ao mesmo tempo que o reino de Ícon se localizava
no planeta Ethérion e fosse parte de um império chamado Império Ômega, ele não
se localizava lá.
Difícil de entender? Deixe eu tentar de outra maneira. Para
subir ao poder, Chronos matou o rei legitimo de Ícon, junto com a maior parte
de seus súditos. Isso causou uma grande ira no imperador de Ômega, mas como em
parte, Ícon era um reino independente, o imperador não poderia se intrometer
nas disputas de poder. O resultado é que o todo o reino de Ícon, o rei Chronos,
seus maléficos servos e os sobreviventes da capital Paradox que se juntaram ao novo
rei foram amaldiçoados pelo Conselho Ômega, e exilados do tempo/espaço do
continente.
Assim, Ícon existia em um plano paralelo. Apenas reis,
príncipes e o imperador podiam visitar a capital de Ícon, Paradox. Qualquer
outro que lá se aventurasse não conseguiria sair.
Agora você sabe porque o rei de Ícon não gostava de ser
lembrado do assunto. Porém, ele nada podia fazer, pois assim como seus súditos,
não podia deixar os limites do reino. Por isso, e só por isso, ele aguentava
piadas de pessoas como Kashyapa.
- Na verdade majestade, se concordar em me prestar auxílio,
Ícon deixará de ser um reino exilado.
A frase atraiu a atenção do monarca visitante. Afinal, Chronos
nunca foi conhecido por seu senso de humor.
- E como, senhor do tempo, minha ajuda pode auxiliar seu reino
a sair do exílio.
- Porque, senhor dos asuras, eu enfim descobri o paradeiro da
princesa.
Kashyapa arregalou os olhos negros, perplexo com o que lhe fora
revelado. Pelo visto, o lorde do tempo andara bem ocupado ultimamente. Por
alguns momentos seus olhos procuraram o nada, enquanto pensava no que aquela
informação influenciaria a guerra pelo poder já em andamento.
O monarca do tempo esperou pacientemente, afinal, se espera do
deus do espaço/tempo que ele seja pelo menos paciente com o tempo que outras pessoas (pelo menos outros reis)
levam para considerar suas propostas.
- Pois bem - disse Kashyapa -, se suas condições forem
favoráveis creio que podemos chegar a um acordo. O que desejas majestade?
- Simples - retrucou Chronos. - Quero aquela maldita princesa
fujona aqui. Com sua morte, levarei Ícon de volta a seu lugar de origem e
destronarei esse maldito imperador.
Lorde Kashyapa cruzou os braços e andou de um lado a outro,
visivelmente incomodado. Depois de suspirar profundamente, resolveu ser franco
o “quase aliado”.
- Perdoe-me por levantar questionamentos, mas muito está em
jogo, certo?
- Prossiga - Chronos já esperava por esse momento.
- O Império é vasto, e mesmo que suas estruturas estejam
abaladas desde o banimento de Ícon, não vejo como vossa majestade conseguiria
aliados entre os deuses ou titãs e raças menores para vencer o Olimpo e seus
aliados.
- Por acaso os Asuras não lutarão ao meu lado? - intimou Chronos,
para imenso desconforto de Kashyapa.
- Não disse isso – retrucou Kashyapa. - Só quero saber com
exatidão seus planos, pois não guiarei meu povo para um suicídio em massa.
E de todas as reações esperadas pelo senhor de Davaasura, o
lorde do tempo fez o que nunca lhe foi imaginado. Ele riu. E riu a ponto de
gargalhar. Mas não uma risada engraçada, de alguém que acha algo muito legal.
Mas sim, uma risada maléfica, demoníaca, de quem se diverte ao visualizar a
morte iminente de seus inimigos.
- Não se irrite comigo, senhor dos anti-deuses. É que me é
cômico achar que suas forças enfrentarão os deuses na batalha. Não, preciso de
vocês apenas para pegar a garota.
- Mas quem você espera que lute ao seu lado contra os
olimpianos? - E sim, o rei de Davaasura se irritou, e muito.
- Certo. Saciarei sua curiosidade - e foi a vez do rei do tempo
sorrir cinicamente. - Com a menina em meu poder, libertarei aqueles que foram
derrotados no passado pelas maiores forças do universo, mas que podem ser
vitoriosos contra meros deuses do olimpo e seus aliados.
E foi nessa hora que Kashyapa entendeu a profundidade do que
falava o agora então aliado. E sua expressão de surpresa e incredulidade não passou
despercebido por Chronos.
- Sim, anti-deus. O caos já dormiu muito tempo.
“É hora dele despertar”.
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